Algodão Doce

Suely Tonarque

Por Suely Tonarque (*)

“Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim,

isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte”

 (Memorias Póstumas de Brás Cubas – Machado de Assis)

Machado de Assis, um dos nossos maiores escritores, comparado hoje aos internacionais José Saramago, Gabriel Garcia Marques, Miguel de Cervantes e outros, coloca em dúvida se começa a contar suas memórias pelo começo ou pelo fim.

Divido com vocês que também não sei se escrevo primeiro as minhas ou nossas memórias , se começo sobre a alegria do nascer ou da triste partida. E resolvo começar pela lembrança feliz de um campo de algodão, na zona rural, um presente para os olhos: são flores brancas, amparadas por pétalas de vegetal duro, que perfura sua mão, ao recolhê-las. É um branco atravessado pelo sol, com um brilho nunca antes experimentado. Quase tão bonito quanto os campos de girassóis, de margaridas, de azaleias, nas plantações comerciais.

No Brasil, a produção de algodão é grande, basta ver o número de toneladas nos principais estados producentes:

1° lugar Mato Grosso – 1882.738 toneladas.

2° lugar Bahia – 625.643 toneladas

3° lugar Minas Gerais – 75.100 toneladas

4° lugar Goiás – 70.686 toneladas

5° lugar Mato Grosso do Sul – 68.047 toneladas

O algodão no agronegócio brasileiro tem uma participação na indústria nacional e internacional, segundo dados da Associação Nacional dos Exportadores de Algodão (Anea), o Brasil registra recorde na exportação do produto-de julho de 2019 a fevereiro de 2020 foi exportado 1.555 milhões de toneladas de algodão.

Os indígenas na época do descobrimento do Brasil, já transformavam o algodão em fios e tecidos rudimentares. No ano de 1750, no Nordeste inicia-se a exploração comercial da cultura agrícola do país.  A partir desta data até meados de 1980, o Brasil chegou a ser um dos maiores produtores e exportadores mundiais de algodão.

A ruína do cultivo algodoeiro ocorreu na mesma década com a chegada do exterior de um inseto denominado bicudo-do- algodoeiro, que permanece até hoje como uma das maiores pragas da cotonicultura mundial. Até 1990 houve uma destruição das plantações inteiras e redução da área plantada, trazendo prejuízos e deixando de existir. Com este panorama, a cultura algodoeira migra para os estados de São Paulo, Paraná, Mato Grosso do Sul.

Encontramos algumas curiosidades a respeito: 

a)  A palavra algodão vem de Al Kutum, Al quetiem, na língua árabe, porque foram os árabes que, na qualidade de mercadores, difundiram a cultura do algodão pela Europa. Ela gerou os vocábulos cotton em inglês, coton em francês, cotone em italiano, algodon em espanhol e algodão em português.

b) A colheita é um ponto chave para o sucesso do algodão. O cuidado nesta etapa interfere na qualidade do produto, podendo afetar o seu preço.

c) O tecido do algodão ocupa um lugar único na nossa história, ele é um produto valorizado como a seda e é um dos tecidos mais populares e comercializado no mercado internacional, onde tem um papel importante na economia.

d) O processamento do tecido de algodão inclui muitas etapas, a colheita manual de algodão maduro rende a mais alta qualidade; já a colheita mecanizada torna a alta produção mais viável e acessível.

e) Os tecidos feitos com fios de algodão: tricoline, cambraia, malha, brim, chita, popeline, gaze, moletom, lonita, piquê, flanela, percal, etc. O tecido do algodão é confortável e traz bem-estar em contato com nossa pele.

Em conversa com minha tia Adelaide Tonarque, ela relata a sua experiência com a colheita de algodão.  No ano de 1977, colheu algodão no município de Rancharia, durante uma safra (dura três meses a colheita), por necessidade de um salário. Diz ela: “Colher algodão é muito cansativo, naquela época era preciso amarrar um fardo de estopa na cintura e jogava o algodão dentro deste saco. Eu ia para a colheita toda coberta com um pano amarrado na cabeça e por cima um chapéu para proteger-me do sol”. Relata ainda que não gostou e resolveu parar após essa experiência dolorosa.

Tia Adelaide, hoje com 80 anos, conta que a colheita de algodão foi substituída pelos maquinários modernos, onde é necessário apenas um homem dirigindo a máquina de colher algodão. Perde-se a companhia das (os) colegas, o almoço, as brincadeiras de amigos nas roças.

Como me aproximei muito cedo das roupas, o algodão esteve presente durante minha vida: bonito, aconchegante e antes de tudo um tecido democrático usado por todas as classes sociais. Deslizar minhas mãos em uma roupa de algodão,

 Tia Adelaide também se veste constantemente de roupas de algodão, e embora se lembre das dificuldades que sofreu quando pesquisava as flores fecundadas, pois logo surgiriam as maçãs (assim são chamadas as fores do algodão), sente muito amor pelas recordações dos campos floridos, branquinhos e brilhantes.

Ainda nas festas interioranas, as crianças se lambuzam de algodão doce, que é uma delícia, cada vez mais sofisticado de cores, complementos, sabores.  Pouco conhecem de onde se origina esse algodão, sua produção, seu comércio. Para valorizar o algodão   é preciso conhecer sua realidade e não só usufruir dele. 

Adelaide Tonarque (80 anos) no balanço, com vestido de algodão

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