Molduras

Suely Tonarque

Molduras

Suely Tonarque (*)

Nós, velhas(os) seguimos o divino aprendizado – amar, doar, negar, sonegar, aprender, trocar, olhar, desejar, desafiar etc. etc. etc. Cada dia é único, e vivemos o cotidiano com humor e, desde que nascemos, escolhendo nossos vestires.

Da infância à velhice, somos os sujeitos das nossas histórias; aquela que construímos com os familiares, amigos, e com as nossas mais diversas relações. Enfim, o nosso entorno! E, com ele, vamos nos adaptando às mudanças…

Em alguns trechos da maravilhosa canção de Belchior “A velha roupa colorida” (1976) – cantada por Elis Regina –, o autor nos remete à inexorável necessidade de renovação do nosso contrato com a vida: a mudança!

Você não sente, não vê

Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo

Que uma nova mudança em breve vai acontecer

O que há algum tempo era novo, jovem, hoje é antigo

E precisamos todos rejuvenescer

 

[…] Nunca mais teu pai falou: She’s leaving home

E meteu o pé na estrada like a rolling stone

Nunca mais você buscou sua menina

Para correr no seu carro, loucura, chiclete e som

Nunca mais você saiu à rua em grupo reunido

O dedo em V, cabelo ao vento

Amor e flor, que é do cartaz

No presente, a mente, o corpo é diferente

E o passado é uma roupa que não nos serve mais

No presente, a mente, o corpo é diferente

E o passado é uma roupa que não nos serve mais

 

[…] Como Poe, poeta louco americano

Eu pergunto ao passarinho: Blackbird, o que se faz?

Raven: Never, raven: Never, raven

Blackbird me responde

Tudo já ficou pra trás

Raven: Never, raven: Never, raven

Assum preto me responde

O passado nunca mais

[…] E precisamos todos rejuvenescer

E precisamos todos rejuvenescer

E precisamos rejuvenescer.

 

Assim, não é moda mudar e seguir o dito de como vestir os velhos: é o inverso! Somos seres que sabemos o que somos, como nos vestimos e festejamos a Vida e o Envelhecimento com saúde.

Vale lembrar: na Bolívia, onde coexistem diversas culturas e línguas nativas, as etnias indígenas mais relevantes são as dos quechuas e aimarás. Para eles, o adjetivo “velho” é um qualificativo que se diferencia de acordo com o substantivo. Ex.: objeto velho (avariado, gasto, destroçado): Thanta; velho para o feminino – arvicha; velho para o homem – achila. E eles não comportam o mesmo significado.

Já em nossa sociedade, quando um objeto fica velho (sapato, vestido, casa, livro, entre outros), tudo se restringe à mesma classificação, inclusive no que se refere a nós, seres humanos! Penso que esteja aí a aceitação das Velhices, do Envelhecimento. E, nesse momento, tenho a impressão de que querem simplesmente nos enquadrar, colocar molduras sem refletir e muito menos nos devotar admiração e o reconhecimento de que nós, velhas (os), temos muitos sonhos, desejos, ranhetices e somos plenos de histórias vividas…

Escolhemos o nosso vestir do jeito e da forma que queremos, mesmo que essas escolhas não correspondam àquelas que são ditadas pela moda, tanto para a juventude como para a velhice.

“Amar se aprende amando”

Carlos Drumond de Andrade

(*) Suely  Tonarque é psicóloga, gerontóloga e especialista em moda no envelhecer

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